Um evento binário é aquele fato, acontecimento ou conjectura que em tese carrega duas opções possíveis e com consequências óbvias diametralmente opostas. A parte mais importante desse conceito por incrível que pareça é a expressão "em tese". Porque, na prática ou mais precisamente, no mundo real, a coisa não se processa exatamente assim.

Um evento pode de fato ocorrer ou não. Não há um meio evento. O que ocorre é que as suas consequências estão em uma escala gradativa entre o pior e o melhor. Ás vezes ou quase sempre o resultado não é o esperado, pois somos péssimos em fazer previsões ou, dito de outra forma, o futuro é opaco. Podemos até ter apenas duas opções, ocorrer ou não, mas as reverberações posteriores estão no campo do imponderável.

Estou falando disso, pois quero explorar as implicações da aprovação ou não da reforma da Previdência, alardeada aos quatro ventos como imprescindível, inadiável e inevitável. E o enfoque aqui é o impacto disso no mercado como um todo, especialmente os ativos de risco, como a renda variável.




Levada estritamente ao campo teórico, a reforma da previdência então seria um evento binário. A sua aprovação interromperia a tendência de alta da curva de endividamento do Brasil em relação ao PIB, diminuiria os riscos para os investidores, melhoraria o ambiente de negócios para as empresas e os fundamentos, provocando uma valorização das ações. A sua rejeição levaria a uma fuga de capitais, diante de uma futura insolvência do país, aumento dos juros, diminuição do crescimento da economia e aumento do desemprego. Nesse ambiente a renda variável perderia atratividade para a renda fixa, que estaria pagando taxas maiores e a tendência seria uma correção no preço das ações.

É importante ressaltar que a reforma que possa vir a ser aprovada pode não ser e certamente não será a que foi proposta, que teve boa aceitação pelo mercado. No ambiente de discursão no Congresso, negociações serão travadas e as regras serão flexibilizadas, contribuindo para uma desidratação da proposta original. O próprio governo já admitiu mexer com uma das regras principais, a idade mínima.

Os eventos ditos binários podem afetar uma empresa ou um setor em específico ou o mercado como um todo. No caso dos eventos que afetam somente parte do mercado, fica fácil não se submeter a eles: basta não comprar a ação daquela empresa ou daquele setor e não se expor àquele risco. No caso de um evento sistêmico como a citada reforma da previdência, é óbvio que o alcance seria amplo, pelos motivos já citados. Então fica a pergunta: deveríamos ficar de fora do mercado de ações até que o fato se concretize ou não? A resposta para essa pergunta pode ser um sonoro "sim". O problema dessa abordagem é que, caso ocorra, o investidor certamente encontrará o mercado em um outro patamar e aí será tarde demais para se beneficiar.

O investidor fundamentalista, de longo prazo, costumar dizer que esses eventos temporais não importam se a empresa escolhida tiver bons fundamentos, como lucros crescentes, geração de caixa consistente e diferencial competitivo, só para citar alguns. No meu artigo "Comprando Ações: Preço Importa?" emito minha opinião sobre o momento certo de comprar uma ação. Por esse entendimento, não basta que a empresa tenha bons fundamentos, é preciso que o mercado ainda não tenha precificado totalmente e haja alguma margem de segurança. Portanto, a minha conclusão é que eventos relevantes tem a sua importância, pois podem levar o mercado a outros patamares, alterando a precificação dos ativos. E o problema maior aqui é que o mercado como diz o ditado, "sobe no boato (ou na expectativa) e desce no fato". E a leitura é que o nível do Ibovespa já embute em parte a aprovação da reforma. Desde a eleição do Bolsonaro, o mercado subiu porque a sua equipe econômica está alinhada a pensamentos liberais, de privatização de estatais, diminuição do papel do Estado na economia e modernização da máquina, por meio de reformas estruturais, entre elas a malfadada reforma da previdência. E o fato é que isso tem que ser entregue e ainda não foi.

Para os traders, eventos binários costumam ser oportunidades para surfar uma possível alta expressiva em determinado ativo. Caso não se realize, há a possibilidade de usar stop e sair da operação com pequeno prejuízo. Mas há também os que não usam essa estratégia, por entender ser muito arriscado esse tipo de operação. Para falar a verdade, no fundo todos acabam operando eventos binários sem se dar conta, até mesmos os fundamentalistas. Comprar uma ação, esperando que os lucros continuem crescendo, que a projeção dos lucros futuros se concretize e que o mercado onde atua a empresa não terá uma transformação que torne obsoleto o produto/serviço, é sim apostar que o contrário pode também ocorrer.

Respondendo a principal pergunta é se eu deixaria de investir, diante da incerteza da aprovação ou não. A resposta parece já ter sido dada. Não há como aguardar que as coisas aconteçam à espera de momento melhor para se posicionar. Quando tudo isso estiver claro, já não haverá assimetria a ser capturada.

Em suma, parece haver diversos eventos binários pelo caminho de qualquer empresa e também eventos que afetam todo o contexto, o tempo todo. Ficar de fora do mercado à espera da concretização ou não desses fatos, fará você jamais investir em ações e talvez em coisa alguma.