Quem investe em renda variável e está acompanhando o mercado, presenciou a maior baixa das ações em curto espaço de tempo. A maior desde a crise da Rússia em 1997, se não me engano. Na B3, os mais de um milhão de novos investidores certamente estão passando por um batismo de fogo, pois vinham de um bull market começado em 2016 e não sabiam o que era tendência de baixa.

Benvindos à renda variável. As ações não sobem para sempre e todos sabem disso. Mas agem e investem como se não soubessem. São os vieses comportamentais que temos quando investimos. Mesmo os mais experientes, dificilmente estão incólumes a esse crash atual. Podem estar no negativo em títulos prefixados, em tesouro IPCA+, em multimercados e, claro, em ações. Desde dezembro/2019 que praticamente desmontei minha carteira e permaneci com 2 ativos, conforme publiquei neste blog. Mas não estou imune ao cenário, também estou perdendo.

A diferença talvez seja que já passei por isso antes, pois tenho mais de 5 anos de bolsa de valores e atravessei todo o caos do impeachment, o Joesley Day, a greve dos caminhoneiros etc. E nessas ocasiões o mercado caiu fortemente e abriu oportunidades para comprar ativos bons e baratos.

Então, diante de uma queda tão forte em apenas duas semanas, que varreu altas de mais de dois anos em alguns ativos, estaria na hora de comprar? O IBOV na quinta-feira, 12/03/2020, chegou a beliscar o nível de fevereiro/2017, para se recuperar um pouco na sexta seguinte. Vamos tentar entender por que a meu ver não chegamos ao fundo ainda e, portanto, não é hora de ir às compras para quem tem caixa pra aproveitar.

A causa principal ou o que prefiro chamar de catalisador, foi a crise provocada pelo coronavírus e as consequências que isso vai causar no desempenho da economia mundial. Mas uma análise mais detida vai perceber que não é essa a causa. Nunca estivemos nesses níveis de juros tão baixos como hoje! Os investidores migraram em massa para ativos mais arriscados para tentar rentabilizar melhor seus portfólios. E isso não foi natural, mas provocado artificialmente por um nível de taxa de juros irreal e insustentável. Em muitos países desenvolvidos, já se pratica a taxa negativa. O depositante paga para o banco guardar o seu dinheiro. Ao sacar, ele terá menos do que aportou. Isso é economicamente insano. Você não tem nenhum benefício em poupar e postergar o consumo. O tempo sempre teve valor, quando se trata de dinheiro. Agora é diferente?

Num cenário em que a poupança é desincentivada, essa liquidez migra para os ativos disponíveis, como imóveis e ações por exemplo. O ciclo de alta dos índices americanos é uma curva ascendente há muito tempo por conta dessa enxurrada de dinheiro comprando ativos nas bolsas. Aqui não foi diferente e os fundamentos não acompanharam. A economia não está crescendo forte como foi precificado pelos ativos da B3. Os múltiplos como o P/L do índice principal da nossa bolsa, cujo histórico de fundo se aproxima mais de 12 e cuja média fica ao redor de 14, estava rodando antes do crash a algo próximo de 20. Os lucros não cresceram na velocidade do preço das ações. A correção iria ocorrer e já está acontecendo. O que provoca isso é o que menos importa. Mas o que importa é até onde iremos nessa queda e isso tem a ver de novo com o quanto os fatos recentes mexerão com os fundamentos.

O Ibov na crise do impeachment bateu o fundo em 37 mil pontos. Será que iria até lá no crash recente? A nossa economia é muito dependente do ciclo das commodities e nossos principais produtos de exportação são commodities agrícolas, petróleo, minério de ferro etc. Um arrefecimento do crescimento mundial nos afetará em cheio, amplificado pelo fato de termos uma relação próxima com a China, que já estava em um processo de acomodação do seu crescimento. A guerra de preços do petróleo entre a Arábia Saudita e a Rússia é mais um fator desestabilizante na nossa economia. Quanto tempo teremos o barril de petróleo próximo de 30 dólares até que saia um acordo? Muitas incertezas ainda no radar. Eu acredito que em até 2 meses o IBOV vai testar a marca dos 50 mil pontos nesses cenários. Muitos ativos ainda não corrigiram os exageros do bull market, principalmente as small caps tão alardeadas pelas casas de análise. Há ainda muita gordura para queimar em vários ativos e muitos deles participam do principal índice.

Quando as empresas começarem a divulgar os resultados dos próximos trimestres e isso fizer preço na bolsa, aí eu diria que talvez seja hora de começar a comprar. Quando seria isso? Eu imagino por volta de julho e agosto/2020 na divulgação do 2º trimestre. Ativos terão uma última correção, depois de já terem corrigido forte os exageros recentes, e ficarão em níveis com margem de segurança para ir montando uma carteira de médio a longo prazo. Talvez o IBOV chegue a 46 ou 47 mil pontos e sinalize que a correção possa ter chegado ao fim.

Vou dar um exemplo concreto: ITSA4. No bull market recente atingiu valores em torno de 14 reais, depois de ter feito fundo em 2016 abaixo de 6 reais. Difícil perder dinheiro comprando ITSA4 a 7 reais ou um pouco mais, ponto em que acho que ela pode chegar. Ela no momento está oscilando em 9 e 10. Acho que vai cair um pouco mais.

Outro exemplo: FESA4. Ativo com ótimos fundamentos, mas que certamente será afetada por menor crescimento, especialmente da China. E a demanda por seus produtos deve diminuir em 2020. Atingiu o valor de R$ 26,00 no mês passado. Em 2016, chegou a custar valores abaixo de 7. Eu compraria ela ao redor de R$ 8,80. Vai lá? Não sei, mas se o cenário que espero se confirmar, poderemos encarteirá-la nesse preço, com uma margem muito boa.

Para muitos outros ativos bons o raciocínio vale. Tem bons fundamentos, os resultados vão sofrer no curto prazo, mas tem uma boa gestão e se recuperarão após essa tempestade perfeita. Investidores experientes tem uma watch list à espera do preço certo para entrar. Tenho certeza que você também tem. Montar uma carteira descontada com esses ativos para os próximos dois ou 3 anos após a entrada, parece pouco provável que perca dinheiro. Se entrar aos níveis de hoje, talvez não perca dinheiro nesse prazo, mas o ganho será menor. O preço de entrada importa e muito, se quiser otimizar os retornos.

Concluindo e respondendo à pergunta do título desse post, não está na hora ainda de comprar, pelos motivos que citei. Em 4 ou 5 meses esse momento deve chegar. Para quem é adepto de compras graduais, pode ser que o momento de compra seja um pouco antes. Aí terá um preço médio bom em cada ativo, mas mesmo nesses casos, talvez deva esperar um pouquinho mais.

Se eu estiver errado e agora for o momento de comprar, ou ficarei de fora ou comprarei os mesmos ativos um pouco mais caros. Eu preferirei ficar de fora. O momento é mesmo de não fazer nada e aguardar. Essa é a melhor decisão.