Os Fatores que Levaram a Bolsa ao Patamar Atual 


É fato que a bolsa deixou de ser aquele investimento exótico de poucos, para se tornar algo acessível a qualquer um que queira buscar uma rentabilidade melhor do que a tradicional renda fixa.


Isso se deveu sem dúvida a uma série de fatores, entre os quais, o surgimento de plataformas de investimento totalmente online, como a XP, por exemplo, com procedimentos simples para abertura de conta, transferência de dinheiro e compra da primeira ação na bolsa.


Outro fator relevante nessa equação foram as chamadas casas de análise ou researches, como a Empiricus, a Suno, a Levante, o Dica de Hoje, a Nord, entre muitas outras. Essas empresas fornecem suporte ao investidor iniciante sobre como montar uma carteira, quais ações escolher, como declarar as operações no Imposto de Renda etc. Preencheu enfim um espaço que não era bem aproveitado pelos grandes bancos, onde a maioria até então investia.


Mas sem dúvida, o aspecto mais incentivador da busca pela renda variável foi a trajetória descendente de juros nos últimos anos. A taxa SELIC, base para toda a economia, caiu de cerca de 14,5% para 2%, de 2016 até janeiro de 2021. Esse fenômeno deixou para trás muitos órfãos da renda fixa, acostumados a ganhar mais de 1% ao mês com baixíssimo risco. Quem tinha capacidade de guardar parte da renda não se dava ao trabalho de sair do seu bancão para isso. Bastava escolher aquela modalidade bem conservadora, como a caderneta de poupança, que após algumas mudanças, passou a pagar 70% da SELIC. Esta, rodando a 14,5% ainda rentabilizava 10% ao ano, isento de imposto de renda.


A verdade é que a queda dos juros tinha sua razão de ser, devido a uma série de medidas tomadas pelos governos desde 2016, buscando um controle dos gastos públicos, com reflexos na trajetória do endividamento. O mercado, que olha a capacidade de pagamento do governo, aceitou taxas menores dos títulos públicos para refinanciar a dívida governamental. A pandemia interrompeu essa trajetória, ao exigir do governo gastos extraordinários para combater os efeitos da crise. 


Financial Deepening


Todo esse processo de ampliação das modalidades de investimento, migração da pessoa física da renda fixa para variável, combinada com a queda de juros, foi denominado de "financial deepening", traduzindo para o português como aprofundamento financeiro, que seria um amadurecimento dos investidores em busca de educação financeira, diversificação de produtos financeiros e ampliação do público que busca investir e gerar renda passiva por meio de diversas modalidades de investimento, incluindo o mercado de ações. Processo esse que as nações mais desenvolvidas já enfrentaram e que os emergentes estariam começando a vivenciar. Resumidamente, seria um enraizamento da cultura de investimentos, espraiada para toda a sociedade, acessível para uma grande parte das empresas, famílias e investidores pessoa física.


Esse movimento foi intenso, ocorreu em um curto espaço de tempo e ainda está em andamento, muito provavelmente em refluxo. Nesse período, a taxa básica de juros chegou a um patamar que provocou um fenômeno que só víamos no mundo desenvolvido: taxas reais negativas. O investidor ao optar pelo Tesouro Direto, por exemplo, e a depender do título que escolha, principalmente os pós-fixados (caso do Tesouro Selic), perde para a inflação. Seu dinheiro terá menos poder de compra no vencimento do que quando aplicou. É certo que tem a opção de aplicar em um título indexado ao índice oficial de inflação, caso do Tesouro IPCA+, e receber ao final um cupom prefixado, acima da inflação do período. Outras modalidades mais tradicionais como CDB, LCA, poupança perderiam feio para o dragão.


A Insustentabilidade dos Juros Baixíssimos e o Efeito nas Ações


Mas a verdade de tudo isso é que o Banco Central acabou indo longe demais no corte dos juros. As consequências foram refletidas no câmbio, com a desvalorização do real sendo uma das mais pronunciadas dentre os emergentes, e na inflação que voltou com força não somente por esse motivo, mas combinado com outros motivos que pressionaram o índice para cima, como aumento dos combustíveis, das commodities e outros decorrentes dos efeitos provocados pela crise do coronavírus, como quebra de cadeias de produção, por exemplo. Agora o BC está tendo que corrigir esse exagero. Já efetuou dois aumentos de 0,75% e deve vir com pelo menos mais um, levando a SELIC de volta a 4,25%a.a.


O retorno dos juros a patamares mais condizentes com nossa economia ainda não provocaram efeitos nas ações. Amparada em expectativas de retomada após a segunda onda da pandemia, a bolsa tem patinado ao redor de 120 mil pontos e teima em não corrigir, embora esse seja o movimento mais óbvio. Temos visto oscilações mais intensas pontualmente decorrente de outros fatores, como consolidação em alguns setores, como a compra da HERING pelo grupo SOMA, a compra da Extrafarma pela Pague Menos, e outros eventos de fusões e aquisições, que mostraram forte subida em alguns papéis. O aumento do preço internacional das commodities beneficiou a nomes locais, como Vale, siderúrgicas, Petrobrás etc. Isso ajudou a manter o índice nos níveis atuais. Os bancos também recuperaram no período mais recente e diante do peso deles no índice, também foi um fator positivo. 


Mas a bolsa não pode ignorar o que ocorre com os juros para sempre. Há efeitos positivos como os citados acima que podem maquiar e retardar o inevitável: a renda fixa renascerá como uma alternativa diante de um mercado em queda. Mesmo empresas cuja operação é redonda e recheada de crescimento, como a Magazine Luíza, por exemplo, que está muito bem posicionada para o e-commerce e cujos resultados refletem isso, levou um tombo de mais de 30% no valor de suas ações (de 28,00 para 18,00 de novembro/20 a maio/21). Os exageros estão aos poucos sendo corrigidos e vai continuar. O rumo dos juros forçará a conversão da expectativa em realidade, mais breve do que imaginamos.