Os sistemas complexos são aqueles compostos de muitas variáveis e componentes que se interrelacionam e que provocam o que os estudiosos chamam de equilíbrio instável. São dinâmicos e, a cada perturbação, rearrumam-se e se reorganizam em um novo equilíbrio dinâmico. Pela complexidade de suas relações e interações, são difíceis de serem reproduzidos em laboratório e não permitem que se construa um modelo teórico que os represente com perfeição.

Eles são denominados de sistemas não-lineares, principalmente porque não há relações claras de causa e efeito e pequenas mudanças no estado atual podem provocar modificações radicais que o impele a um novo estado. O seu todo é mais do que a soma de suas partes.

Uma analogia utilizada pelos estudiosos para descrever um sistema complexo é uma pilha de areia. Imagine-se começar uma pilha de areia pelo primeiro grão, vai-se adicionando grãos a cada momento e após milhares de grãos, irá se formar uma pilha na forma de um cone. E cada grão adicionado pode ser o último que desencadeará uma avalanche que reorganizará a pilha em um novo equilíbrio dinâmico até que uma nova perturbação provoque nova avalanche, nova acomodação, nova avalanche, em um círculo infinito, mas cuja forma se mantém relativamente uniforme, apenas maior e mais complexo a cada processo. Observado de fora, esse sistema parece bastante estável, mas internamente a interconectividade entre as partes é dinâmica e mutável à espera de mínimas perturbações para se rearrumarem em um outro estágio de equilíbrio.

Exemplos de sistemas complexos podemos citar o sistema financeiro e a bolsa de valores. E com o fenômeno da globalização e o advento da tecnologia da internet e sua interconectividade, que facilitou a livre movimentação de mercadorias, bens e capitais, esse sistema saltou para estágios mais avançados e mais complexos. O resultado disso é que um pequeno evento em um lugar, aparentemente sem importância e sem representatividade, pode acarretar reverberações que impactam todo o sistema e o levam a reações em cadeia de forma imprevisível.

O ecologista C. S. Holling, em um estudo sobre vários sistemas complexos, verificou que esses sistemas se sujeitam o tempo todo a riscos insuspeitados, mas cada um deles descobriu maneiras de prosperar. Nesse estudo também foi identificado uma outra classe de sistemas, que insistiam em conservar más ideias, que ele denominou de "resiliência insensata". Nesses sistemas não adaptativos as mudanças internas são sufocadas e o agente provocador é instado a ser expulso (ou escondido). Esse cenário artificial pode fazer o sistema conservar a boa aparência por algum tempo, mas conduzi-lo à destruição, quando atingidos por algo inesperado. O motivo da sua implosão é a incapacidade de abandonar ideias erradas com suficiente rapidez, para que a sua dinâmica intrínseca o regule.

Para quem quiser se aprofundar e estudar mais a fundo o assunto, recomendo o livro "A Era do Inconcebível" do economista e jornalista, Joshua Cooper Ramo. No livro, o autor cita o estudo do ecologista Holling sobre os sistemas complexos e o conceito mencionado.

E por que estou citando esse conceito? Porque a carapuça se encaixa perfeitamente no comportamento atual da bolsa de valores, tanto a americana, quanto a brasileira ou qualquer outra. As variáveis macroeconômicas que influenciam os ciclos econômicos, como a taxa de juros, o crédito, a política monetária dos países, as relações de troca, etc, interagem em um equilíbrio dinâmico ao longo do ciclo e se retroalimentam até que um novo equilíbrio entre essas forças dá fim a um ciclo e inicia outro. Taxas de juros baixas para estimular uma economia em recessão, combinadas com outros fatores, impelem a atividade econômica, facilitam o crédito e provocam aumento no preço dos ativos. Essa inflação nos ativos, em alguns casos, leva a sobrepreço em imóveis, ações, títulos (em níveis maiores, bolhas). Decisões dos bancos centrais, para reequilibrar o sistema, como aumento nas taxas e outras políticas, trazem o sistema a um novo equilíbrio; nesse estágio costuma-se descartar as empresas e os bancos ineficientes ou artificialmente mantidos em funcionamento por crédito fácil e política monetária expansionista, e torna o sistema mais saudável.

A crise atual do coronavírus, com a paralisação súbita da atividade econômica em todo o mundo, foi o estopim para trazer de volta o sistema a bases reais e a um novo equilíbrio diante da inflação dos ativos de bolsa, insuflado por longo período de taxas de juros muito baixas e até negativas. Mas os bancos centrais, especialmente o FED, ao invés de deixar que o sistema se autorregule e chegue a um novo equilíbrio, continua a manter as ideias ruins, por meio de uma facilitação quantitativa sem precedentes e taxas de juros absurdamente baixas. Exatamente o que o autor citado acima chama de "resiliência insensata".

Na bolsa brasileira não é diferente. Aqui, as políticas seguem também o FED, com compras de ativos podres dos bancos e crédito privado de péssima qualidade das empresas. Estamos naquela fase de negação da realidade. A bolsa, na expectativa de recuperação da economia, que embora tivesse a caminho, mas não no ritmo esperado, levou o Ibov a patamares nunca dantes navegados. Naquele nível, houve um deslocamento dos fundamentos e algumas empresas chegaram a se valorizar 200%, 300%, desde o fundo de 2016. Parece que a memória compradora que vimos até final de 2019 e início de 2020 continua na cabeça do investidor. O setor de consumo, certamente um dos mais afetados pelo cenário atual, parece que não se deu conta do que vem pela frente. Ativos como MGLU3, LREN3, CNTO3, que caíram forte em março, já recuperam parte das perdas amparados absolutamente em nada (ou seria em ideias ruins?).

Portanto, é inegável que o sistema precisa se reequilibrar por si só, mas as políticas tomadas pelos governos e bancos centrais estão adiando esse fato. A realidade vai se sobrepor à expectativa irreal ou à insensatez. O risco disso tudo é que o estrago certamente será maior, quanto maior for a negação da realidade. O medo é que as ideais ruins façam o sistema ruir por estar sendo impedido de se autorreorganizar. E a realidade é bem conhecida: recessão ou depressão, desemprego, aumento da inadimplência, queda vertiginosa no faturamento e lucro das empresas e, claro, queda no mercado de ações, para adequar o preço aos fundamentos.