Nesses tempos de completo descolamento do preço com os fundamentos na bolsa de valores, os investidores e especuladores buscam formas de recuperar o dinheiro perdido com as quedas recentes e continuar adicionando valor ao seu patrimônio. E uma das formas que dispõem para realizar operações na bolsa é escolhendo ativos que tem alta volatilidade e sempre atraem muitos compradores, gerando liquidez e recuperação rápida de preços.

O que eu denomino de "Memória Compradora" é o comportamento dos investidores em adquirir ativos com alta volatilidade histórica e que voltam rapidamente aos seus patamares anteriores de preço, por meio de força compradora no momento de queda. O especulador pensa: vou comprar pois sempre volta. Alguns ativos têm essa característica e se tornam rapidamente as queridinhas do mercado.

E no curto prazo é o que realmente ocorre. Parece uma profecia autorrealizável. Se a maioria pensa assim, o volume de compras sobe, quando esses ativos caem em momentos de estresse generalizado do mercado, e abre oportunidade de entrada para aqueles que monitoram esses ativos constantemente; e de fato a cotação volta aos níveis anteriores, quando o fato é processado e precificado pelo mercado, o volume de compras joga as cotações de volta aos seus topos históricos.

Qual é o risco da estratégia? Assim como sobe rápido, desce rápido, pois a volatilidade não funciona somente para cima.   

Outro risco embutido é que em algum momento o mercado irá adequar o preço à realidade, diante de fundamentos em deterioração, decorrentes dessa crise em andamento. Isso é certo que ocorrerá, pois, os próximos resultados serão muito ruins, em termos de redução da lucratividade. E nenhuma empresa estará imune a isso. Alguns setores mais do que outros, é verdade. E essas ações são sempre muito caras exatamente pelo fenômeno da "memória compradora", que atrai muitos trades e especuladores. Elas sofrem do que chamei no artigo anterior de "Resiliência Insensata".

Vou utilizar o índice P/L (preço/lucro), para ilustrar o ponto citado no parágrafo anterior. Quanto menor o resultado desse indicador, mais barato você está comprando. E o resultado desse indicador traduz-se no seguinte: o P/L representa em  quantos anos o valor que você pagou retornará sob a forma de rendimento, seja em proventos, seja em valorização do ativo. O L da fórmula é o lucro por ação. Parte é distribuído ao acionista, parte é incorporado ao patrimônio da empresa para reinvestimento.

Vou citar como exemplo os ativos MGLU3, WEGE3, RADL3,  para embasar o argumento. Os índices P/L dessas empresas citadas acima, no momento em que escrevo são de, respectivamente, 89, 49 e 44. E não se tratam de empresas com fundamentos extraordinários. A título de comparação, o Banco do Brasil (BBAS3) tem o P/L atual de apenas 4,7. Itaú (ITUB4) tem P/L de 8,7. 

A Magazine Luíza (MGLU3) tem histórico de crescimento dos lucros, principalmente do e-commerce, mas tudo isso tem um limite, especialmente numa economia em retração e aumento do desemprego, que fará as pessoas adiarem compras de valor agregado maior, como eletrodomésticos, móveis e outros produtos que a empresa comercializa.

A WEG atua no ramo de equipamentos eletroeletrônicos, no setor de bens de capital. Não precisa nem dizer que depende de uma economia em crescimento, com pressão na oferta e na necessidade de expansão da capacidade produtiva das empresas. O que ocorre é que há muita capacidade ociosa na economia no momento, que dificilmente será ocupada no cenário atual.

A Raia Drogasil (RADL3) se beneficiou do fato de o setor de farmácia ser considerado essencial e não ter fechado nessa crise, provavelmente aumentando temporariamente as vendas. Mas de novo o cenário macro incerto e em deterioração não fará milagres nem nesse setor.

Em resumo, olhando para os fundamentos, a cotação dessas ações nos níveis atuais não se justifica pelos óbvios fatos citados acima. Isso não impede que se ganhe dinheiro com essas ações em operações de curto prazo. Os trades sabem se aproveitar desse fenômeno e realizam muitas operações lucrativas com elas. O ponto de entrada é fundamental e o uso do stop, para limitar as perdas, se torna obrigatório. Mas para uma carteira de médio ou longo prazo parecem ser inapropriadas e de muito risco, pois o mercado já percebeu o possível potencial de crescimento delas quando a economia voltar a crescer e já embutiram isso no preço, fato que parece muito distante no momento. Não há assimetria positiva e nem margem de segurança para comprá-las.