Notícias para todos os lados nos bombardeando o tempo todo sobre a queda de juros. Os agentes financeiros já preveem taxa Selic a 4% para 2020, rumo a juros reais negativos.

Nos países desenvolvidos, juros negativos já não são novidade. A renda fixa vai pagar cada vez menos, diante dos cortes previstos para as próximas reuniões do COPOM - Comitê de Política Monetária.

O investidor comum, como eu, fica a se perguntar onde pôr o dinheiro acumulado até aqui, para que não perca para inflação e se multiplique ao longo do tempo. Taxas decrescentes em fundos, CDBs, Tesouro Direto, poupança etc. A única saída para essa encruzilhada parece ser a renda variável.

Nunca se falou tanto em investimentos em ações. A quantidade de investidores na bolsa já ultrapassou o milhão. Diante dessa nova corrida para o Eldorado chamado B3, o principal índice atingiu sua máxima histórica, caiu um pouco e está prestes a testar novamente essa resistência rumo aos 110 mil pontos.

Os fundamentos das empresas melhoram em um cenário de juros decrescentes. Derrubam o custo de capital, as despesas financeiras e aumentam o lucro das companhias. Isso se reflete nas cotações das ações e no retorno sob a forma de dividendos. É natural que os ativos se valorizem e que chame a atenção de investidores novos que não conheciam a bolsa e não queriam assumir riscos, contentes com uma renda fixa que pagava acima de dois dígitos. Agora é diferente. Quem não comprar riscos, nada ganha.

Mas a bolsa vai subir até quanto? Essa é uma das perguntas de um milhão de dólares. Uma outra até mais importante é a seguinte: essa queda de juros é estrutural ou conjuntural? Explicando, estrutural é algo mais permanente, amparado em mudanças de paradigma do sistema. Conjuntural seria vinculado a fatores do cenário atual, mas que convergiria de volta aos antigos parâmetros.

Difícil responder a essa pergunta, especialmente com referência ao Brasil. Há mudanças irreversíveis ocorrendo na economia brasileira? O encolhimento do Estado que está em curso, com consequente abertura de um espaço a ser ocupado pela iniciativa privada, será um componente transformador?

É certo que a saída do Estado de várias áreas, seja via privatização, seja via concessão pública, diminuirá a demanda agregada no curto prazo, com reflexo negativo inicial no emprego, na inflação e na pressão sobre a dívida pública. Isso já está ocorrendo e por isso a inflação está abaixo da meta há vários períodos. O possível aumento de custos não tem sido repassado para os preços, sob pena de diminuir as vendas já fracas. Essa é uma das boas razões para o controle da inflação. Inflação baixa, combinada com excesso de liquidez empreendida pelos bancos do mundo todo, puxam as taxas de juros para baixo.

E quando (ou seria se?) a iniciativa privada aumentar os investimentos onde o Estado deixar de atuar, o emprego e o consumo voltarem a se aquecer, trazendo a inflação de volta, os Bancos Centrais terão que subir os juros para conter essa demanda?

Resumindo o questionamento acima, os juros estão baixos somente por que a economia não está crescendo? Em outras palavras, os juros em queda são conjunturais?

O brasileiro médio se acostumou a aplicar suas economias no banco onde recebia seu salário, em produtos como poupança, CDB, fundos de renda fixa etc. Com os juros altos, até mesmo produto ruim rendia bem. E com relativa segurança, uma vez que o setor bancário sempre foi muito robusto, diante da facilidade em cobrar altas taxas dos clientes, auferindo lucros estratosféricos.

A implicação disso tudo é que os investidores estão correndo para a bolsa, numa migração da renda fixa para a renda variável. Ao final desse ciclo, o contrário pode ocorrer e os prejuízos para quem estiver posicionado em ações pode ser significativo. Migrarão de volta para a renda fixa, realizando prejuízos nas ações?

Agora o investidor pode está pisando em terreno pantanoso. Não é que a maioria das empresas vai quebrar, caso os juros voltem a subir. Mas os preços relativos das ações serão outros, distantes dos preços de compra, esses que foram empurrados justamente pelo excesso de liquidez. Caso isso ocorra, levarão meses ou anos para se recuperarem. A poupança (em sentido lato, não a aplicação em si) será reduzida drasticamente e muitos ou a maioria não terá a disciplina para esperar a recuperação. Realizarão a mercado o prejuízo.

Será que esse cenário já foi antevisto pelos grandes players do mercado e estão nos induzindo a aceitar preços excessivos por ativos que não valem isso tudo? Especialmente na bolsa brasileira, os estrangeiros estão vendendo e caindo fora. Quem são os compradores? Investidores institucionais e pessoas físicas. São eles que tem sustentado o Ibovespa nos níveis atuais. Lembrando que os maiores institucionais são fundos de pensão que, em última instância, investem dinheiro de pessoas que um dia esperam se aposentar com essas reservas.

Pode ser uma teoria da conspiração o que levantei aqui. E as mudanças que estamos presenciando estejam sendo causadas pela disrupção de tecnologias novas e até de mudanças demográficas, que fazem as pessoas economizarem mais em idade avançada, gerando excesso de capitais a serem remunerados. Grande oferta de dinheiro, remuneração baixa. Mas é sempre bom questionar quando vemos um certo efeito manada em direção à renda variável. É o que vejo acontecer no momento.

Se vou ficar de fora esperando algo acontecer? Certamente não, mas vou ter muito cuidado na alocação e na escolha das ações e também do momento certo para entrar. O histórico de fundamentos da empresa deve ser muito bem examinado, como também os preços atuais, se já não estão embutindo um crescimento nos lucros que podem nunca chegar. Parece ser razoável não alocar mais do que 30% em renda variável nesse momento e de forma bastante seletiva.