A tragédia ocorrida na barragem no município de Brumadinho - MG, de responsabilidade da Vale, levanta algumas questões interessantes que podemos projetar para a área de investimentos e do hábito de poupar.
Em primeiro lugar, a empresa envolvida nisso tudo tem um peso muito grande no principal índice da nossa bolsa. E qualquer evento que ocorra com uma empresa do porte da Vale, costuma respingar para todo o mercado. E danos à imagem de uma grande empresa do país, atinge de certa forma a imagem do país como um todo. O investidor estrangeiro percebe um ambiente de negócios instável e cujas regras são descumpridas sem consequências. E isso ganha importância diante de questões muito mais sérias que são a perda de vidas e o desastre ambiental que demorará anos para se reverter.
Parece não haver dúvidas de que a Vale, na corrida por baixos custos e otimização dos lucros, negligenciou a administração dos riscos, a exemplo do que ocorreu com a Barragem de Fundão, em 2015. A impunidade naquele caso mostra que as autoridades e os Órgãos responsáveis não foram suficientemente duros para coibir a repetição dessa tragédia. Como uma empresa do porte da Vale não dispõe de um plano de manutenção eficiente de suas barragens e não tem uma preocupação genuína com a sua imagem? Seria o imediatismo do lucro, em detrimento da sustentabilidade da empresa a longo prazo?
Generalizando para outras áreas, será que é um problema cultural do Brasil essa ausência de preocupação com o futuro? Ou, em outras palavras, imprevidência?


Uma evidência disso é a baixa penetração dos seguros no Brasil. Embora o seguro de automóvel seja mais comum e disseminado, o seguro residencial e o de vida é muito pouco usual para as pessoas. Será que não seria racional dispender uma parcela pequena do seu patrimônio em um prêmio de seguro, que pagamos para não usar, mas em caso fortuito e necessário impede a perda completa do bem?
Até mesmo aqueles que já poupam e investem, não costumam aplicar parte do seu capital em uma espécie de seguro, como o dólar, o ouro, opções de venda coberta, etc, para eventualidades como uma crise financeira inesperada.
Isso justificaria a baixa formação de poupança no Brasil? Não recebemos educação financeira nem na escola e nem na família. Não criamos o hábito de separar parte do que ganhamos para necessidades futuras ou contingências.
Será que por vivermos em um país com clima tropical, cuja produção de alimentos é possível durante o ano todo, nos fez menos previdentes, em contraponto aos países onde os invernos são rigorosos e exigem a guarda de provisões para esses dias difíceis?
Ainda temos na memória uma cultura de inflação. Antes do Plano Real, ficar com dinheiro em mãos ou até mesmo em uma aplicação, faria você perder poder de compra em questão de dias ou talvez até horas. A corrida para transformar o dinheiro em produtos, seja comida, seja bens duráveis, provocou nas pessoas o hábito do gasto. Como vivemos em uma sociedade capitalista e consumista, mesmo depois de vencida a questão inflacionária, o costume de empregar toda a renda em algo continua viva na memória e na prática diária das pessoas.
Muito tem se falado ultimamente na necessidade de reforma da Previdência. Outro ponto levantado refere-se à incapacidade da previdência pública, com as regras atuais, de prover renda no futuro para os inativos, parcela cada vez maior em relação aos ativos, diante do envelhecimento da população.
Diante disso, torna-se necessário que cada cidadão busque formar sua própria previdência. Poupar parte do que ganha, para o período de improdutividade no futuro.
Nossa tendência natural é seguir o que nossa cultura nos passa: viver o hoje, gastar o que ganhamos, porque amanhã ganharemos de novo (será?). Se não houver um esforço consciente, de cada um, para quebrar esse paradigma e pensar além do agora, não veremos uma transformação realmente verdadeira na vida do brasileiro, especialmente no aspecto financeiro.
O que isso tem a ver com o acontecido que deu título ao artigo? Essa transformação tem que vir também das empresas e do mercado como um todo: a empresa é muito mais do que o resultado do último trimestre. Deve ser um negócio perene e consistente, que valoriza o capital humano de que ela dispõe, com sustentabilidade ambiental, e tendo consciência da responsabilidade com as comunidades que são impactadas com sua atividade.
O que mais será preciso acontecer para percebermos isso?