Nos EUA, onde surgiram os expoentes mais famosos do Value Investing, como Benjamin Graham, Warren Buffet, Phillip Fisher, entre outros, o mercado de capitais se encontra em um estágio avançado e maduro, as empresas sujeitam-se a regras rígidas de compliance e transparência, de respeito ao sócio minoritário e são punidas quando infringem essas regras. O órgão regulador, a SEC - Security Exchange Comission, a CVM de lá, é muito mais atuante e a justiça tende a proteger o lado mais fraco que é o pequeno investidor. Diante dessa realidade, investir para longo prazo parece ser a melhor escolha, visando construir patrimônio para a aposentadoria. Há também farto banco de dados sobre as empresas, permitindo uma análise aprofundada e confiável sobre o histórico de rentabilidade das companhias. A literatura a respeito do tema também é vasta, permitindo ao pequeno investidor ter acesso a conhecimentos especializados para auxiliar na escolha das empresas. Então a estratégia buy and hold lá é muito mais apropriada.

 No Brasil, em contraponto ao que foi mencionado sobre o mercado americano, não há uma cultura de investimento em bolsa. O percentual de investidores que aplicam em bolsa é muito baixo. O gráfico abaixo mostra a evolução do número de investidores na B3, cujos dados foram extraídos do site, posição em 28/09/18. O critério de contagem considera o CPF cadastrado em cada agente de custódia, ou seja, pode contabilizar o mesmo investidor caso ele possua conta em mais de uma corretora.




Observa-se que a quantidade cresce desde 2002, mas ainda representa menos de 0,5% da população brasileira. E há uma proporção maior de investidores do sexo masculino. Há muito espaço para crescer entre as mulheres.

Muitos não investem por não ter conhecimento sobre como funciona o mercado e também pelo mito criado de que a bolsa é um cassino e os riscos são muito altos. De fato, comprar ações sem antes ter estudado algumas noções de contabilidade, de análise de empresas torna-se muito arriscado, pois acaba operando por dicas, muitas vezes ou quase sempre de analistas interessados em incrementar as corretagens para suas casas.

Entendo que, mesmo superada essa falta de educação financeira da população, precisamos ter instituições mais atuantes e mais efetivas, para defender o interesse dos minoritários. A CVM, popularmente considerada o "xerife do mercado", não tem demonstrado isso nos últimos casos. Podemos citar os fatos recentes que ocorreram com empresas como Qualicorp, Multiplus, Smiles, Petrobrás etc. Esse último é um caso marcante da diferença de atuação aqui e nos Estados Unidos. Enquanto que a Petrobrás pagou uma multa bilionária para encerrar um processo dessa natureza nos EUA, aqui nada aconteceu e quem investiu na empresa os recursos do FGTS, tomou prejuízo e não houve nenhuma compensação exigida por parte da CVM.

Outro fator desmotivador é a alta taxa de juros brasileira. Até recentemente, a renda fixa chegou a pagar mais de 14% em aplicações de baixo risco. Com uma taxa dessas, difícil alguém querer arriscar em bolsa. É fato que essa taxa vem caindo consistentemente e, no momento em que escrevo, encontra-se em 6,50%. Esperamos que essa tendência de queda continue e de forma consistente.
O Ibovespa nesse período subiu muito vigorosamente, pois muitos saíram da tradicional poupança, que passou a render pouco, em direção a aplicações mais rentáveis, inclusive ações, fundos de ações e fundos imobiliários.

Diante de uma taxa de juros alta, a comparação entre a renda fixa e a renda variável é o quanto a empresa distribui em dividendos. Isso é especialmente verdade para os fundamentalistas "buy and hold", cujos ganhos virão da participação nos lucros da companhia, pois não pretendem vender e realizar o ganho de capital. Então, o retorno em dividendos (dividend yield) esperado no Brasil deve superar a taxa da renda fixa com alguma folga, dado o risco maior em investir em renda variável. Para uma taxa CDI de cerca de 6,5%, o dividend yield que devemos buscar nas empresas é pelo menos em torno de 8% ou mais.

Em uma pesquisa rápida no site www.fundamentus.com.br, filtrando as empresas com dividend yields superiores a 8%, encontramos cerca de 45. Em um universo de cerca de 537 empresas listadas, isso representa 8% das empresas que se enquadrariam no critério. E nesse pequeno subconjunto, ainda precisamos excluir aquelas que distribuíram de forma não recorrente no último ano, ou seja, não tem histórico de distribuir nesse patamar. E como o critério dividend yield não é o único para escolher boas empresas, o número deve ficar ainda menor.

Se o investimento for em empresas de crescimento, aquelas que reinvestem os lucros na própria empresa ao invés de distribuir, a aposta é que no futuro essa empresa após se consolidar, passe a distribuir valores crescentes em dividendos. O capital do investidor inicialmente cresceria pela subida do valor da empresa em bolsa, embora seja lucro não realizado, para no longo prazo receber de volta na forma de proventos distribuídos.

Voltando à pergunta do título: investir em ações no Brasil é mais arriscado? Entendo que sim, pelos motivos citados no texto acima, como a deficiente educação financeira da população, a ainda ineficiente supervisão das instituições responsáveis, a alta taxa de juros que desencoraja o investidor a optar pela renda variável e a baixo percentual de dividendos distribuídos no Brasil, em comparação à taxa de juros, salvo poucas exceções.

Isso não é impeditivo para investir em renda variável, mas limita muito para quem tem a estratégia buy and hold. Sou adepto do Value Investing inteligente, que seria comprar ações de empresas boas, de acordo com certos critérios de valuation, rentabilidade, margens, quando estão descontadas, e vendê-las quando atingir o valor intrínseco e não dispuser de mais margem de segurança para permanecer na carteira, naqueles momentos em que o mercado estiver irracionalmente otimista.